quarta-feira, 28 de junho de 2017

Qual é o certo: a ioga, o yoga ou o yôga?

por Cláudio Lasas

O correto é o yoga, transliteração pelo IAST* do termo योगः. Como todas as palavras do sânscrito terminadas em "a" breve, yoga é um substantivo masculino e significa "o ato de jungir, de unir, de juntar, de atrelar (o jugo ou a canga aos cavalos)".  De acordo com o Bhagavadgītā, somos como uma carruagem puxada por cinco cavalos que representam nossos sentidos. Dessa maneira, o yoga seria a ferramenta usada para controlar nossos sentidos e colocá-los a serviço de nossa mente, de nosso corpo e, principalmente, de nosso espírito.

A grafia ioga é uma tropicalização incorreta, pois "i" é uma vogal, enquanto a letra original (y), por ser uma semivogal, não desempenha o papel de núcleo silábico e forma com a vogal "o" uma só emissão de voz. Ocorre que entre 1945 e 1990, o alfabeto português excluía as letras "k", "w" e "y", por considerá-las exclusivamente estrangeiras.

A letra "o" da palavra yoga tem pronúncia fechada, como sempre acontece no sânscrito para as letras "e" e "o". A pronúncia do "o" aberto vem provavelmente da influência carioca, uma vez que o yoga entrou no Brasil pelo Rio de Janeiro. Diante disso, alguns praticantes começaram a usar a palavra com acento circunflexo (yôga), o que é totalmente incorreto tanto de acordo com o IAST quanto pelas regras ortográficas de nossa língua, que não permitem acentuação de palavras paroxítonas terminadas em "a".  Caso contrário, palavras como  sopa, lona, moça e moda teriam que ser escritas sôpa, lôna, môça e móda.

Namaste


* International Alphabet of Sanskrit Transliteration (alfabeto internacional de transliteração sânscrita)

segunda-feira, 12 de junho de 2017

Yoga e Alimentação

por Cláudio Lasas


De acordo com o Yoga, o corpo nos ajuda a atingir a iluminação e, por isso, os iogues preocupam-se com a saúde, praticando relaxamento adequado, exercício adequado, respiração adequada, pensamento adequado e dieta adequada. A alimentação é, portanto, um dos pilares dessa tradição milenar, com o objetivo de dar ao corpo nutrientes de boa qualidade e purificá-lo de toxinas, mantendo o bom funcionamento de células, órgãos e tecidos.

O praticante costuma observar alguns preceitos durante as refeições:
- Em primeiro lugar, comer com consciência e tranquilidade, adotando uma atitude pacífica e silenciosa, porque dessa forma é mais fácil perceber quando já se comeu o suficiente. Diz-se que a cada refeição devemos comer apenas o que cabe nas palmas de nossas mãos. No mesmo sentido, devemos comer regularmente, mas somente quando tivermos fome, adotando a máxima de "comer para viver, não viver para comer".
- Respeitar o alimento e perceber que sua energia será absorvida pelo corpo. Nosso corpo físico é chamado, em sânscrito, de corpo de alimento, nome que enfatiza que somos o que comemos. Alimentos sem energia vital (prana) como a carne são evitados, como veremos adiante. Mesmo ao cozinhar, nossas emoções são transmitidas ao alimento e por isso devemos estar em paz no momento do preparo das refeições.
- Hábitos que dificultam a digestão são evitados: comer frutas nas grandes refeições, ingerir leites ou alimentos pesados à noite, tomar muito líquido durante as refeições principais, tomar água gelada, mastigar mal, comer muito, combinar mais que 5 comidas diferentes por refeição etc.
- Jejuar um dia por semana, para que o corpo possa livrar-se de toxinas e resíduos - não é um jejum completo, mas parcial, com ingestão de alimentos bem leves.

O Yoga acredita que o universo como um todo é formado pela combinação de três gunas ou qualidades da matéria: rajas, tamas e sattva.  As escrituras ioguicas dividem portanto também os alimentos em rajásicos, tamásicos e satívicos.

Rajas é a qualidade do que é estimulante e por isso os alimentos rajásicos trazem inquietude, despertam paixões e destroem o equilíbrio entre corpo e mente, impedindo a meditação. Fazem parte desse grupo cebola, alho, sal, temperos fortes, café, chá, tabaco, alimentos industrializados, açúcar refinado, refrigerantes e chocolate ("os homens rajásicos preferem o que é amargo, azedo, ardente, picante, bem salgado e fortemente temperado, que lhes excite o apetite e estimule o paladar, porém que, finalmente, lhes acarrete moléstias, dores e enfermidades." Bhagavad-Gitâ 17-9).
Tamas é o guna da inércia. Alimentos tamásicos são impuros ou podres, não contêm prana e por isso deixam o corpo pesado e lento demais para pensar com clareza, causando preguiça e aborrecimento. São exemplos desse grupo carne, peixe, ovos, cogumelos, alimentos embalados ou cozidos demais, fermentados, queimados, fritos, assados, requentados, vencidos, alimentos com conservantes, álcool e drogas. Comer muito também é considerado tamásico ("aos homens tamásicos apetece alimento rançoso, estragado, insulso, putrefato, corrompido e ainda as sobras de comida e outras imundícies." Bhagavad-Gitâ 17-10).

A dieta ioguica privilegia portanto os alimentos satívicos, integrais e deliciosos naturalmente, sem conservantes ou corantes artificiais, que trazem pureza, acalmam a mente e aguçam o intelecto. Diferentemente do que se possa pensar, há um grande número de opções neste grupo, que inclui frutas frescas e secas, vegetais crus ou apenas levemente cozidos, saladas, grãos, legumes, nozes, sementes, pães integrais, mel, ervas frescas, laticínios (o único grupo de alimentos de origem vegetal que em geral faz parte da dieta ioguica, que é por isso lacto-vegetariana), sucos de frutas e chás de ervas. Facilmente digeridos e dando muita energia, esses alimentos aumentam nossa vitalidade, força e resistência, eliminam o cansaço, mesmo para quem desempenha trabalhos extenuantes ("o alimento mais agradável ao homem puro é aquele que aumenta a vitalidade, o vigor, a saúde, preserva da doença e traz o contentamento e a calma de espírito. Tal alimento tem bom sabor, mata a fome, não é nem demasiado amargo, nem demasiado azedo, nem salgado demais, nem muito quente, picante ou adstringente." Bhagavad-Gitâ 17-8).

A escolha dos alimentos reflete o nível de evolução do iogue. Entretanto, aqueles que, apesar de ainda terem o hábito de consumir muitos alimentos rajásicos ou tamásicos, almejam melhorar sua alimentação, devem ter paciência para promover mudanças lentas e graduais em sua dieta, a fim de que a mudança não se transforme em frustração.

Limpezas

O Yoga possui diversos kryias, ou seja, práticas de limpeza e purificação. Muitos ásanas (as conhecidas posturas de hatha yoga) massageiam órgãos vitais e estimulam os movimentos peristálticos, contribuindo assim para uma boa digestão, facilitando a eliminação pelo corpo de toxinas e promovendo uma melhor circulação de energia. O nauli, por exemplo, é uma automassagem da região abdominal. Tudo isso se coloca como um contraponto à ociosidade e à poluição, típicos da vida moderna nas grandes cidades, que tornam nosso corpo lento e sobrecarregam nossos rins e fígado.

O próprio jejum semanal é considerado uma limpeza, uma vez que dá ao nosso organismo tempo suficiente para digerir os alimentos, assimilar o que é útil e eliminar excessos, aumentando a eficiência do organismo.

Vegetarianismo

Nem todo iogue é vegetariano, mas há vários aspectos na tradição que o conduzem ao vegetarianismo ou, pelo menos, a uma drástica redução no consumo de carne.

Em termos de impacto sobre nossa saúde, a carne contém muita gordura, muito colesterol e pouca fibra, ao passo que os vegetais contêm pouca gordura, pouco colesterol e muita fibra. Além disso, pesticidas, químicos e antibióticos pulverizados em plantações são ingeridos pelos animais e ficam impregnados na carne, em fenômeno conhecido como bio-amplificação. Com isso, uma dieta sem carne reduz significantemente os níveis de colesterol, problemas cardíacos, artrite, ácido úrico, gota, obesidade, diabetes relacionado a dieta, constipação, calculo biliar, pressão alta e câncer.

Além disso, há outras questões que são levadas muito a sério pelo praticante:
- Aspecto ético: Ahimsa, ou não-violência, é o princípio mais importante da filosofia ioguica e que leva o praticante a não causar sofrimento a qualquer ser vivo, respeitando todos os seres. Os animais criados pela indústria alimentícia passam a vida confinados e controlados e o momento do abate é carregado de medo e de dor. Do ponto de vista do Yoga, o homem não tem o direito de usar sua supremacia para dominar e matar seres que sejam vulneráveis.
- Aspecto energético: todo medo e toda dor sofridos por um animal abatido são incorporados ao nosso corpo no momento da ingestão da carne, tornando nossas próprias emoções difíceis de controlar.
- Aspecto ambiental: a criação de gado é cara, dispendiosa, provoca devastações e consome grandes quantidades de água. Anualmente, áreas gigantescas são transformadas em pasto. Não menos importante, o gado bovino emite enormes quantidades de metano, gás que é um dos maiores responsáveis pelo aquecimento global.

- Aspecto político: em nosso planeta, a fome assola quase 1 bilhão de pessoas. A desnutrição causa a morte de uma criança a cada 2 segundos e de 60 milhões de pessoas todos os anos. Entretanto, nos países pobres a comida tem sido  sistematicamente usada para alimentar animais de corte, que depois são exportados para países mais ricos. Enquanto isso, nos países desenvolvidos o consumo de carne leva a altos índices de obesidade, contribuindo para o consumo indiscriminado de produtos e medicamentos para emagrecer. Se todo o alimento produzido na terra fosse destinado à alimentação humana, seria o fim da fome no mundo.