segunda-feira, 22 de maio de 2017

Somos Todos Zumbis

por Cláudio Lasas

Malho dentro do shopping, minha academia fica no segundo subsolo. Lá dentro nunca tinha sinal, por isso me acostumei a deixar o celular dentro da bolsa, no vestiário. Graças a Deus!!! É um dos raros momentos do dia em que me liberto, consigo andar sem ter que carregar esse aparelhinho que praticamente virou uma extensão do meu próprio corpo. Quando saio sem o celular na rua, me sinto nu e me acompanha um medo estranho, parece que alguma desgraça vai acontecer e não vou ter como pedir ajuda.

Ano passado, quando mudei de operadora, descobri que para operadora nova o sinal lá dentro até que funcionava, de vez em quando. Mesmo assim, decidi continuar deixando o aparelhinho dentro da bolsa. Afinal, não faz sentido algum levar o celular para malhar – quero me concentrar nos exercícios e o celular só atrapalha.  Mas as outras pessoas que malham lá pensam diferente. Frequentemente, vejo gente sentada nos aparelhos de musculação com aquele olhar entretido com alguma coisa na telinha. Às vezes a pessoa se perde mesmo, fica totalmente hipnotizada pelo celular e nem percebe o quanto isso incomoda quem quer usar o aparelho e tem que ficar esperando. Quando a paciência da pessoa que está esperando chega ao limite, ela é obrigada a dar aquela tossidinha e perguntar “Oi, falta muito? Podemos revezar?”. Geralmente, a outra pessoa, a hipnotizada, não atende de primeira, espera que tussam mais umas 3 ou 4 vezes e que perguntem de novo, com a voz um pouco mais alta. Aí ela olha como se estivesse ela se sentindo incomodada, responde com um ar blasé “Faltam só mais duas” e continua empatando o aparelho, como se fosse dona da academia.

Semana passada, uma garota simplesmente parou no corredor, no meio do caminho entre um aparelho e outro, para ficar lendo o celular. Ela estava de costas para mim e tive a impressão de estar dentro de um desses filmes americanos sobre zumbis ou mortos-vivos. A cena me impressionou de verdade, achei que a garota ia se virar com aquele rosto desfigurado de clipe do Michael Jackson e começar a correr atrás de mim.

É muito interessante, para não dizer desesperador, olhar para as pessoas na praça de alimentação, nos restaurantes, no metrô, nos cafés, enfim, em qualquer lugar em que haja gente sentada. Nove em cada dez pessoas passam o tempo todo olhando para a telinha do celular. A que ponto chegamos? Que lavagem cerebral é essa que estão fazendo conosco?

Claro, também sou uma dessas pessoas alienadas, também fico totalmente entretido com o facebook, com o instagram, com o whatsapp e com todos os outros instrumentos de dominação em massa que eu mesmo instalei no meu aparelhinho (e detalhe: instalei por conta própria, ninguém me obrigou). Mas outro dia aconteceu algo inusitado: meu celular caiu na calçada e a tela ficou estilhaçada. Desesperado, fui à Paulista e deixei para arrumar num desses lugares de eletrônicos que parecem uma filial da Santa Ifigênia. Pediram para deixar lá por 40 minutos – 40 longos minutos, uma verdadeira eternidade. Aproveitei para andar pela Paulista, mas confesso que foi estranho. Perdi totalmente a noção do tempo (não uso relógio de pulso, me incomoda) e minha paciência estava curta. Faltando ainda uns 15 minutos, entrei no Fran’s Café e, enquanto comia um lanche, fiquei observando a rua e as pessoas. Foi uma experiência nova, redescobri o prazer de fazer parte do mundo real – não no mundo virtual. Queria ter essa experiência mais vezes.


Já pensei em tirar umas férias do meu celular, começar a deixá-lo em casa quando sair para passear, sei lá, para me sentir dono de mim mesmo novamente. Me lembro como era antes de inventarem o celular, me sentia livre e nem me dava conta. Mas, por mais que eu tente, essa birosca parece que está grudada no meu corpo, não consigo ficar longe. Acordo e a primeira coisa que eu consulto é a telinha dos infernos. Tomo café com ele do lado, saio de casa com ele no bolso, tomo banho com ele perto do box e, quando vou dormir, deixo-o carregando pertinho da minha cama. Coisa do diabo! Por enquanto, só consigo mesmo me libertar quando estou na academia ou quando derrubo o celular na calçada e tenho que mandar consertar. Fora isso, sou um zumbi como qualquer outro paulistano.

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